Introdução
A Justiça Restaurativa passou a ser conhecida por meio de um movimento global que vem se desenhando ao longo dos últimos cinquenta anos a partir da valorização dos conhecimentos oriundos das práticas ancestrais de autocomposição (tribais, comunais e religiosas), pelos movimentos de acesso à justiça, somada ao crescimento do uso das chamadas ADRs- alternative dispute resolutions – e ao envolvimento da Organização das Nações Unidas.
O desenvolvimento do projeto terá como fundamento o “pensamento rizomático”, engendrado a partir do conceito de rizoma, desenvolvido por Deleuze e Guatarri. O “pensamento rizomático” se coloca como um pensamento capaz de abarcar a multiplicidade das conexões existentes entre as inúmeras inter e intrarrelações presentes nas raízes históricas da Justiça Restaurativa e os saberes oriundos da multiculturalidade apresentada nos diferentes contextos de aplicação. (AGUIAR BOIN, 2019, p. 61) [1]
O contexto universitário conta com uma multiplicidade de relações interpessoais estabelecidas entre alunas/os, professoras/es, funcionárias/os, familiares e comunidade, constituindo uma rede inter-relacional rica, complexa e diversificada. Apresenta-se como um contexto propício de aprendizagem de como podemos lidar com os conflitos de forma construtiva e transformadora.
Cabe à universidade assumir um papel atuante na educação de valores, na formulação, implementação e disseminação de ações que visem a promoção e a defesa dos direitos da natureza, da qual nós, humanas/os somos parte. A universidade é uma das instituições responsáveis pela efetivação da democracia, do desenvolvimento, da justiça social, da promoção da igualdade de oportunidades e da consolidação de uma cultura que promova a diversidade de raça, cor, etnia, religião, origem, idade, situação social, econômica e cultural, orientação sexual e identidade de gêneros.
No entanto, práticas discriminatórias, preconceituosas e violentas, ocorrem, cotidianamente, nos ambientes universitários. Estas situações levam a desgastes e conflitos relacionais de toda ordem, além de poderem desencadear adoecimento físico e mental das pessoas envolvidas, causando prejuízos pessoais e institucionais.
Conflitos fazem parte das relações humanas, todavia, a depender da forma que lidamos com as situações, diferentes serão os resultados. A conduta comumente adotada frente ao conflito tem sido a punição e a reprodução das condições sociais que geraram a situação conflituosa. A Justiça Restaurativa propõem um pensamento crítico sobre a cultura punitivista e promove reflexões sobre a complexidade que envolve as relações humanas, os conflitos e a violência.
As práticas restaurativas, com o auxílio da/o mediadora/o – facilitadora/o por meio de procedimentos específicos, buscam promover autonomia, protagonismo, emancipação e responsabilização das pessoas envolvidas direta e indiretamente na situação de conflito, para que juntas possam construir, na medida do possível, soluções que atendam às necessidades de todas/os possibilitando transformações pessoais. Propõem acolhimento, inclusão e cuidado com as pessoas.
O foco está em atender às necessidades que emergem da situação conflituosa e promover a responsabilização das pessoas envolvidas a partir da compreensão da condição de interligação e interdependência existente entre os membros de uma comunidade. A reparação de danos pode se dar de várias formas como consequência da assunção de responsabilidades por parte das pessoas envolvidas em uma situação de conflito. Surge a noção de responsabilização no lugar de culpabilização.
Essas práticas levam em consideração não somente os aspectos relacionais interpessoais, como também, os comunitários, institucionais e sociais. Propõem procedimentos que possam dar conta de cuidar das dimensões mais profundas de cada situação conflituosa apresentada.
A diversidade de pesquisas, cursos, pessoas e culturas presentes no contexto universitário, representa um grande potencial para a promoção de diálogos interdisciplinares, interculturais e inter-geracionais tão necessários tanto para a sustentação e desenvolvimento da Justiça Restaurativa, como para a ampliação da compreensão e difusão do caráter disruptivo implícito em suas práticas.
As práticas da Justiça Restaurativa pautam-se no “princípio do não saber”[2], de que não existe um saber absoluto. Partem da crença de que todas as formas de conhecimento devem ser valorizadas, consideradas e legitimadas. Entendem justiça como um valor a ser concebido na relação entre as pessoas envolvidas nas situações de conflito e o meio ambiente que as cercam.
Dessa forma, a partir do entendimento de que os valores da humanidade são universais e a manifestação desses valores são particulares, dada as nuances culturais existentes em cada povo, busca-se a criação e desenvolvimento de práticas restaurativas baseadas na integração entre os conhecimentos acadêmicos e os saberes presentes na multiculturalidade brasileira.
Metodologia
A metodologia a ser utilizada será a produção partilhada/compartilhada do conhecimento, desenvolvida a partir do “pensamento rizomático”, capaz de considerar a integração, interlocução e interação entre os saberes acadêmicos e os saberes orais das comunidades tradicionais.
[1] BOIN AGUIAR, Carla Maria Zamith. Justiça Restaurativa no Contexto Universitário: Caso da Universidade Dalhousie – Canadá. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2019.
[2] BOIN, Carla. Mediação e Justiça Restaurativa: Linguagem Mediadora e o Princípio do Não Saber. Id on Line Rev. Psic., Agosto/2022, vol.16, n. 62, p. 55-66, ISSN: 1981-1179.