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CAMINHOS DA MEMÓRIA
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Relatório da Viagem a Goiás
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A viagem a Goiás foi programada para se realizar em três etapas; uma em Brasília, outra em Goiânia e outra na cidade de Goiás. A viagem possibilitou a escolha de algumas perspectivas para a análise de três diferentes cidades. Escolhi para este relatório observar a disputa e o uso do espaço público; o processo de construção e afirmação da memória institucionalizada e a contraposição desta mesma memória pela voz de sacerdotes católicos progressistas ligados à Comissão Pastoral da Terra. A preparação do grupo para a viagem foi apoiada por três textos troncos, a saber: “Fronteiras múltiplas, identidades plurais”, de Benjamin Abdala Jr, “A problemática do imaginário urbano: reflexões para um tempo de globalização” e “Morfologia das cidades brasileiras: introdução ao estudo histórico da iconografia urbana”, de Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses. Nossas possibilidades de observação, caracterizam-se com as sugestões dos autores lidos e discutidos em grupo após cada visita.
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Brasília
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As vias
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image011_400Antes de passarmos a discorrer acerca dos lugares visitados, é mister comentar algumas das impressões que a cidade nos passou sem que se necessitasse de alguma guia para fazê-lo. Considero que as vias públicas de Brasília não permitem agregação de pessoas como em outras cidades. A largura das avenidas, e o tamanho das quadras, indicam que o vivido das pessoas não se integra no espaço destinado ao aparado político-administrativo - Esplanada dos ministérios e a Praça dos Três Poderes, no Eixo Monumental, o que se vê nesta área são funcionários da limpeza pública ou turistas.
 
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Não havia pessoas para quem pudessem ser construídos tais calçamentos, ou melhor, estas existiam porém em lugares restritos do centro da cidade - fora deste espaço era raro encontrar alguém (a não ser alguns poucos trabalhadores responsáveis pela limpeza pública e outros poucos turistas – estes sempre conduzidos por ônibus privados). O deslocamento pela cidade torna-se impraticável quando se está fora dos limites do centro, a não ser que se tenha um veículo, como um carro, para o qual a cidade parece ter sido preparada a bem receber, uma vez que as vias são bem largas, conservadas e sinalizadas.
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Este tipo de disposição onde o espaço rodoviário oprime o espaço do pedestre é a primeira marca da artificialidade da construção da cidade. Ora, é óbvio que a maioria da população não possui um carro, tampouco presenciamos pessoas em grande número se deslocando em coletivos como em outras capitais brasileiras – talvez por causa do feriado não houvesse muitas pessoas na rua, de modo que ao infeliz (Leia-se: “a grande massa dos trabalhadores”) que não dispõe de um veículo resta contar com as escassas linhas de ônibus que especificamente servem para conduzi-los de casa para o trabalho e vice versa.
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Os trabalhadores
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image017_400_04Os trabalhadores vivem fora do centro da cidade, em superquadras ou nas cidades satélites. Deste modo, sua circulação é fragmentada, acompanhando a lógica dos setores urbanos e não da integração social. Assim os trabalhadores do serviço hoteleiro (norte e sul) não conseguem ver a cidade em sua diversidade, pois de casa apenas chega no local de trabalho que é separado de outras áreas do complexo urbano.
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A mesma coisa para o funcionalismo que deve se submeter as grandes e áridas quadras onde não há nenhum bar ou lanchonete próximos.
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A concentração de certos serviços em determinadas partes da cidade cria ilhas populacionais de trabalhadores, provavelmente de difícil contato mútuo – me é difícil conceber a existência de um fluxo entre tais ilhas durante a jornada aos moldes das cidades cuja disposição não favorece o surgimento de tais concentrações. Estas ilhas são quase totalmente compostas por trabalhadores do setor de serviços.
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Dos funcionários públicos encontrados em atividade pudemos perceber uma gradação em três níveis. No nível mais elevado, temos os monitores do Panteão da República e do Congresso, que por entrarem em contato com o público provavelmente lhes são requeridos certo grau de escolaridade dispensada aos seguranças, porteiros, arrumadeiras e faxineiras, encontrados nos museus. Em último lugar está os jardineiros e lixeiros, único nível em que lembro ter visto alguns mulatos e negros, também único grupo que vi portar bicicletas (uma única bicicleta foi o que vimos durante toda a estada em Brasília).
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Um grande problema da cidade é o déficit habitacional, uma vez que as construções devem seguir padrões que dificultam sobremaneira o estabelecimento de moradias populares. Como dito pelo monitor que nos recebeu no Panteão, “a insistência dos trabalhadores em permanecer na cidade após sua construção acabou por ‘estragar’ o sonho de seus idealizadores”, deixando subentendido que a cidade por eles construída a eles não se destinava e ainda hoje não se destina - a maioria das pessoas que fazem funcionar a cidade, bem como o relato das pessoas com quem conversamos, que não moram nela e sim nas cidades satélites, núcleos urbanos relegados à precariedade onde as populações excluídas do cenário urbano de Brasília convivem com a mesma miséria e descaso de outras cidades que na capital tanto se tenta mascarar.
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Não há como negar a suntuosidade das construções monumentais com que nos deparamos na capital federal, porém há que se questionar a quem é reservado o acesso a estes espaços. É de grande notoriedade que a grandeza das construções se contrasta com o vazio humano, fazendo da cidade um objeto de contemplação e não de morada. Os candangos atuais, apesar da insistência de seus pais e avós por permanecerem na região, até hoje não encontraram seu lugar de liberdade no espaço público de Brasília. Há apenas o restrito espaço do trabalho.
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Os trabalhos de campo
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No congresso vimos onde se assentam os políticos para fazerem suas leis. Guardamos um pouco do discurso oficial que seria desconstruído mais tarde e rebatemos alguns dos dizeres prontos que nos foram passados durante a visita. As principais questões levantadas referiam-se à produção de MP´s, ao processo de obstrução das votações, à freqüência dos parlamentares às cessões e ao acesso do público às votações – quanto a este tópico é necessário ressaltar o funcionamento do mecanismo que Zilda chamou de “ideologia da outorga”: é aberta a seção a público desde que este se faça imperceptível, atuando o mínimo possível, e desde que não se trate de uma votação polemica, do contrário o acesso à mesma é vedado e isto permite aos nossos delegados se livrarem do constrangimento de ter que agir conforme os princípios que declararam ter a seus eleitores quando da época de sua eleição.
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A posição oficial quanto às questões levantadas foi apaixonadamente defendida pela monitoria, que permitiu um debate com a Zilda, nossa professora, pois ela não pode deixar de lhe contrapor um discurso crítico, entendido pela monitora como impertinente.
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No memorial JK encontramos um pólo de misticismo bem ao gosto do dúbio caráter de Brasília. O fundador e preceptor da cidade é mitificado na exposição de sua vida pública e privada através de documentos, fotos, roupas e objetos pessoais doados por Sarah, sua viúva. A grande atração do memorial é sem dúvida a câmara mortuária onde se encontram seus restos mortais. Trata-se de um salão oval de mármore negro cujo teto é um belíssimo vitral onde se desenha a forma de um anjo que protege e atesta a gloriosa e bendita empreitada realizada pelo pó que ali repousa. O memorial é na verdade um templo de culto ao fundador transformado em mito.
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Infelizmente os monitores não souberam nos responder quantos de seus pais haviam morrido durante a construção da cidade (muito menos vimos indicações de onde ficaria o cemitério). A memória de tais homens se perdeu, porém a glória que construíram para Juscelino é lustrada diariamente com o apoio do capital público e privado além do dos visitantes que deixam dois de seus reais na entrada do templo.
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No Panteão da República tivemos uma aula prática de construção e forja da memória. Listados como se fossem parte real de um único grupo, amigos que compartilhariam do mesmo ideal, o da liberdade, encontravam-se: Zumbi dos Palmares, Almirante Tamandaré, Duque de Caxias, Marechal Deodoro da Fonseca, José Plácido de Castro (o “libertador” do Acre), D. Pedro I e o grande patrono J.J.S. Xavier, o Tiradentes (Aliás, Tiradentes e a Inconfidência Mineira são lembrados em vários pontos da cidade bem como em diversos símbolos de poder da república. Inúmeras bandeiras mineiras são encontradas espalhadas por Brasília, e mesmo na parte de trás do uniforme dos dragões da independência encontra-se o triangulo vermelho da inconfidência - convenientemente Juscelino era mineiro). De imediato já nos deparamos com uma sensação de desconforto ao vermos Zumbi “encaixado” em um mesmo grupo que Duque de Caxias ou Deodoro da Fonseca. Talvez isto só perca em contraditoriedade pela presença de um imperador em um panteão de república.
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A idéia original do Panteão é de Tancredo Neves. Os critérios exigidos para se ingressar no panteão são: o de se ter lutado pela liberdade, democracia (e pelo Estado) e o de ter se passado pelo menos 50 anos após a morte do candidato.
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No Panteão foi possível montar um painel totalmente arbitrário, contraditório e anacrônico. Além dos atuais heróis, existem mais 17 nomes que estão esperando aprovação do congresso.
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Após ouvirmos a proposta que justificava a existência do panteão, e da desconfortante sensação que tivemos ao saber quem fazia e quem não fazia parte do mesmo, tivemos uma prova concreta da artificialidade da memória que ali se pretende conservar. Nosso monitor – que, creio eu, pela desenvoltura com que nos atendeu, ali trabalha já há algum tempo, simplesmente chamou o “libertador” do Acre de Plácido Domingos, ao que se seguiu um burburinho e algumas risadas até que uma senhora, funcionária do museu, corrigiu sua fala – foi uma experiência engraçada e ao mesmo tempo triste.
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A contraditória formação da cidade:
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O projeto de uma capital situada no interior do país vem de longa data e se justifica à primeira vista pela necessidade de povoar regiões afastadas do litoral, historicamente relegadas a segundo plano. A intenção era romper com a tradição litorânea, parte da herança colonial, e assim refundar o Brasil com vistas a uma integração nacional baseada no desenvolvimentismo. Entretanto o projeto fez reafirmar a índole patriarcal, autoritária e elitista que se pretendia romper mas que hoje revela-se presente, a um olhar mais atento, na estrutura espacial de Brasília. Diz-se mesmo que o projeto mascara a intenção de afastar a população brasileira do centro do poder, uma vez que manifestações e ações de revelia não eclodem facilmente em espaço de tão difícil acesso e de tão peculiar disposição urbanística, o que a torna perfeitamente cômoda para o exercício do poder.
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Nos principais museus da cidade faz-se referencia à racionalidade com que Brasília foi projetada e à labuta intelectual que precedeu sua construção, tenta-se explicar como é precisa a relação do plano piloto com a modernidade, com a maturidade de instituições baseadas não mais em tradições e sim na democracia. Não seria por acaso que a capital funda-se às costas de um avião e que a cúpula do poder se encontre na cabine do piloto. A razão e a técnica pretendem alçar vôo rumo à democrática era republicana. Por outro lado, a fundação da cidade também é marcada pelo acochambramento e pelo misticismo. Este, porém, não se resume somente à cruz transformada em avião. A uma sociedade pretensamente racional e laica é no mínimo segregante a intrínseca relação do poder com o catolicismo revelada nos rituais que antecederam e que figuraram a fundação da cidade, desde a escolha do local – marcada com uma cruz, até a sua inauguração – onde se faziam presentes inúmeros bispos. Ainda hoje é possível verificar o quão arraigado está o poder em tais tradições não-racionais, basta vermos os crucifixos presentes na câmara e no senado ou então a imponência do memorial JK (inclusive, esta mística instaurada na fundação da cidade atraiu para a região algumas seitas que alegam existir um imenso cristal incrustado no platô abaixo do plano piloto).
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Algumas outras contradições contribuíram para que o vôo do plano piloto fosse tão esplendido quanto o de uma galinha ou de um peru. Entre os quais estão a continuidade de políticas econômicas existentes no império que garantiam a segura defesa da reprodução do capital dos grandes proprietários fundiários e industriais em detrimento dos outros 90% da população impedidos até de habitarem nas cidades mesmas que constroem.
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A cidade tenta representar a dinâmica de uma modernidade no desenho de um avião ao mesmo tempo em que tenta congelar a história em sua portentosa monumentalidade impessoal – patrimônios materiais que se pretendem estáticos e resistentes à maré da história, estruturas urbanísticas que afastam a possibilidade de adequação do espaço frente a dinâmica das relações sociais que nele se dão.
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Tal estatismo se revela até na fuga da morte como tentativa de impedir o fim da história. Os únicos túmulos por nós encontrados foram o do fundador e o do bispo. Fora estes não há outros tão facilmente visíveis já que a presença de um cemitério no plano piloto revelaria a consciência do efêmero diante do implacável Devir. Ora, Brasília ergueu-se como um monumento eterno, fundou-se para parecer imortal. A única ”morte” plenamente aceita é a de Juscelino já que ele continua vivo como Mito.
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A imprecisão quanto ao caráter da cidade é até mesmo oficialmente reconhecida, tanto que ao adentrar em um museu-monumento cujas paredes estavam repleta de frases deparei-me com uma máxima de Lúcio Costa referente à capital: “a um tempo derramada e concisa, bucólica e urbana, lírica e funcional”.
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O debate
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Ao final da noite foi discutido o primeiro texto acrescido das impressões que colhemos durante o dia em Brasília. Basicamente falou-se no que foi referido acima: uso e desuso do espaço público, construção e institucionalização da memória, relações artificiais na fundação humana e arquitetônica da cidade.
Uma questão interessante levantada na discussão foi a contraposição entre o modo como estávamos percebendo a cidade (com o olhar estrangeiro) e o modo como um seu morador provavelmente a veria. A oposição São Paulo x Brasília era feita quase que inconscientemente por nós a todo instante. Lembro-me de que todo comentário feito acerca da cidade era acrescido de uma comparação com São Paulo, como se fossemos incapazes de nos livrar de nossos referenciais. Apesar dos que criam estar fazendo uma leitura racional e objetiva da cidade, entendo eu, tal como Carl Schorse, que “Ninguém pensa a cidade em isolamento hermético. Forma-se uma imagem dela por meio de um filtro de percepção derivado da cultura herdada e transformado pela experiência pessoal” (Carl Schorse, Pensando com a História).
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Cidade de Goiás
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image063_400Aparentemente Goiás nada tem a ver com Brasília, não fosse por ter ela se tornado um simulacro. Ao contrário de Brasília e Goiânia, Goiás não foi planejada segundo moldes contemporâneos. Entretanto, hoje em dia ela apresenta uma regularidade – artificial e estática, estruturada de forma a preservar a memória arquitetônica do século XIX visando manter-se como pólo de atração turística.
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Parte da renda municipal é oriunda desta exploração – há todo um aparato disposto para bem receber contando com modestos hotéis, hospedarias, lojas de artesanato e souvenires, bares e restaurantes. O centro da cidade é muito aprazível e aconchegante. Os citadinos recepcionam com simpatia e é mesmo possível encontrar algum garoto – como a mim se ofereceu um, para servir de guia na cidade onde uma das principais atrações é a casa da poetisa Cora Coralina.
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Nossa principal atividade em Goiás seria uma conversa com o Frei Marcos um representante da Comissão Pastoral da Terra que vem militando junto à população carente da região há muitos anos. Até que chegasse o horário combinado da palestra poderíamos usar o tempo livre para andarmos pela cidade. Assim veio a oportunidade de sair do palco destinado a preservar a memória institucional e nos dirigir a outros espaços. Logo pudemos perceber que fora do centro histórico a cidade não mais se mantinha tão limpinha e bem conservada, antes, assemelhava-se a qualquer outra pequena cidade do interior.
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Entretanto, contraste mais acentuado seria encontrado na periferia da cidade no bairro conhecido como Alto Santana. Este bairro fica um pouco afastado do centro sendo necessário subir alguns morros para lá chegar de modo que não é muito convidativo para os turistas, até por que trata-se de um lugar feio e miserável. As pessoas do Alto Santana eram diferentes das do centro. A maioria delas era mulata - algumas negras, que frente à presença dos estranhos, ficava desconfiada (alguns descontentes) por verem nos bastidores alguns dos espectadores que deveriam apenas freqüentar o palco a eles armados. Um casal de irmãos que brincavam no chão de terra ao lado de sua casa de taipas, bem como dois homens que se preparavam para se beber (era aprox. 12:30) foram os únicos que me dirigiram a palavra.
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Em volta deles muito lixo, terra, casas construídas de papelão e bicicletas. A perspectiva do Alto Santana aparentava resumir-se em um Centro Espírita e em um templo da Assembléia de Deus que ironicamente image073_400se encontravam dispostos um ao lado do outro. Um cenário completamente diferente do que a cidade pretendia mostrar e preservar.
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A visita ao Santana nos permitiu enxergar como a política de preservação da memória perpetua contradições e valoriza o artificial em detrimento do natural presente. Enquanto o centro é memorizado e é pólo de atração de capital, o Alto Santana e demais bairros periféricos é esquecido e largado – não lembro ter visto nenhum anúncio de apoio à infra-estrutura de tais bairros por parte do capital privado como visto na fachada da casa de Cora Coralina. Tal como em Brasília o espaço artificial é liberdade para o turista que visita mas não é mais que espaço de trabalho para os residentes nas periferias. A aparência é valorizada mais que a essência. Distraídos pela peça que se apresenta no belo palco não percebem os turistas que são eles também parte importante da história. Uns fazem o papel do mudo, outros o do surdo ou o do cego e mesmo o do indiferente enquanto que nos bastidores severinamente passam os homens pela vida.
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A palestra
 
Após o almoço nos dirigimos à Igreja onde nos encontraríamos com Frei Marcos. A maioria de nós esperava encontrar alguém trajando um hábito ou batina, entretanto Frei Marcos encontrava-se em trajes “civis” – camisa, calças e sandália. Mas as decepções não pararam por aí. Ao contrário da timidez que se esperava encontrar o frei expôs sua fala com bastante desenvoltura. Apresentou-nos um resumo da interação da igreja com os grupos sociais da região, e a ação daquela como força de constituição de movimentos. A história que conta vai desde a construção da igreja, passa pela chegada do frei que o antecedeu e segue até sua própria história de militância na pastoral da terra (humildemente narrada em 3º pessoa ou na 1º do plural). Por fim abriu-se espaço para perguntas que ficaram em torno da obra pastoral e do envolvimento pessoal que Frei Marcos tinha com ela.
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Debate do texto
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A visita a Goiás complementou o debate feito em Brasília acerca da memória que se escolhe para preservar. Baseados no texto de Ulpiano T. B. de Menezes foi discutido as formas de apropriação prática e simbólica da memória e do espaço público – sejam na forma de coretos transformados em espaço de convívio social por namorados e freqüentadores de bares ou fontes e chafarizes que se transformam em chuveiros ou tanques para a lavagem de roupas. Infelizmente não tratamos especificamente De como se dá a apropriação dos monumentos.
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Zygmunt Bauman em “Globalização e conseqüências humanas” defende a tese de que a “perversão” do espaço público seria delimitado pela utilidade que as elites têm dele. Na medida em que dele não mais precisa, o isola, o larga ao sabor da reinterpretação.
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image087_400“Os espaços públicos – ágoras e fóruns nas suas várias manifestações, lugares onde se estabelecem agendas, onde assuntos privados se tornam públicos, onde opiniões são formadas, testadas e confirmadas, onde se passam julgamentos e vereditos – tais espaços seguiram as elites, soltando-se de suas âncoras locais; são os primeiros a se desterritorializar e mudar para bem além do alcance da capacidade comunicativa meramente de wetware de qualquer localidade e seus habitantes. Longe de serem viveiros das comunidades, as populações locais são mais parecidas com feixes frouxos de extremidades soltas”
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Uma análise dos movimentos sociais como meio de alteração das representações institucionalizadas pode servir de contraponto à tese de Baunma que nos parece colocar como protagonistas da alternância de significados apenas as elites (seja pela passividade conformada ou pelo empenho ativo – caso da instituição “Viva o Centro” que luta por tornar o centro de São Paulo ao que “era antes”) desprovendo de mérito ações civis que resultaram em reformas. Ora, o caráter da revolução é ser abrupto e quando esta se processa não é porque simplesmente a ordem institucional vigente foi indiferente e conivente com as mudanças que se prenunciavam, mas sim por causa das muitas lutas e fadigas dos agentes revolucionários (sejam eles burgueses, proletários, fascista ou comunistas).
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O texto de Ulpiano também permitiu-nos aprofundar em teoria mais abstrata ao deixar implícito a opinião de que o objeto não existiria em si, mas sim que seria formado concomitantemente ao processo de escolha e leitura que um seu observador realiza. Processo este que nos permite compreender como um objeto (seja ele um monumento, uma idéia ou uma memória) de representação simbólica possa ser desconfigurado até ao ponto de representar mesmo o seu contrário. O texto de Ulpiano levou-nos a questionar que posição o cientista deve tomar na hora de compor sua obra: levando-se em conta a impossibilidade da abstinência do ego deveria o cientista sempre se mostrar parcial de modo a não enganar o leitor ou deveria ele se lançar em busca da intangível objetividade científica bem a gosto do que pretendia Weber? Ulpiano crê que o meio mais honesto pelo qual deve agir um cientista é demonstrando-se humano.
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Foi também lembrado que Ulpiano considera a cidade um perfeito objeto de análise para o cientista social e para o historiador, afinal de contas nela estariam sintetizadas e ressaltadas todas as contradições existentes em uma sociedade servindo como um microcosmo da mesma. Em uma mesma calçada de uma grande metrópole brasileira podemos ver mendigos, executivos, ambulantes, uma pequena floricultura, uma prostituta, um carroceiro, um quitandeiro, um banco internacional, um turista estrangeiro, um negro engraxate, um político e um trombadinha. Todos os componentes que formam a sociedade se encontram e se fazem representar no ambiente urbano.
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Ora, as representações poderiam ser encaradas como mera questão de escolha se observássemos apenas a congruência destas com a ideologia das elites que as compõem. Entretanto cremos não ser assim tão simples a relação entre uma e outra. Ainda que imposta por uma elite, cremos ser muito forte afirmar que esta “escolheu” pensar e representar de tal maneira o objeto. Dizer isto é desconsiderar toda uma conjuntura causal, circunstancial e histórica que leva um indivíduo ou uma classe a pensar X e não Y, é reproduzir o discurso de nossas elites burguesas que dizem que o pobre é pobre por que se contenta com a pobreza, por que escolheu pensar assim. Por isso refutamos tal idéia.
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O resto da discussão seguiu explorando principalmente os temas referidos no texto do Ulpiano - já que não tivemos uma maratona de visitas como havia ocorrido em Brasília, contando também com o compartilhamento das impressões captadas no dia e de sua associação com as experiências das visitas na Capital.
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Finalmente à meia noite e meia, como ninguém era de ferro, realizamos uma pizzada.
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Goiânia
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Em Goiânia tivemos poucas atividades – serviu mais como cidade-dormitório. Assistimos a uma palestra com D. Tomás Balduíno, visitamos o Museu de Arte de Goiás e também a Universidade Federal de Goiás - UFGO, onde o grupo alimentou e brincou com os macacos que passeiam pelo campus.
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A palestra proferida por D. Tomás Balduíno e por seu assessor na Comissão Pastoral da Terra teve o tom mais conservador, a impostação e a menor flexibilidade centrou-se na militância da pastoral limitada pela posição hierárquica orienta de Balduíno. Comparada à palestra de D. Marcos sobre o mesmo tema pudemos observar a diferença do olhar e do lugar social de cada um.
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Conclusão
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Durante nossa viagem tivemos a oportunidade de conhecer realidades urbanas que apesar de distintas carregam em si uma semelhança decisiva: a disposição das cidades-monumento é fruto do anseio de determinados grupos interessados em gerar, manter e reproduzir uma determinada ordem que os favoreça.
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A memória
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Preservar a memória é um esforço de pertencimento que não recupera o passado como aconteceu, mas cristalizar o passado e transporta-lo para o presente apenas produz simulacro. Assim, a relação presente-passado permite que se possa ao mesmo tempo desconstruir os monumentos e construir perspectivas do devir pelo pensamento crítico e pela práxis revolucionária.
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Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de História
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Disciplina: História do Brasil Independente II
Profª Drª Zilda Márcia Grícoli Iokoi
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2º Semestre/2004
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Apoio: Pró-Reitoria de Graduação / Comissão de Orçamento e Patrimônio
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Produção: Fabrício M. A. Fonseca
                 Rita de Cássia Luvisotto Alexandre
                 Teresa Cristina Teles
                 Zilda Márcia Grícoli Iokoi
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Montagem: Teresa Cristina Teles
                 Zilda Márcia Grícoli Iokoi