DISCIPLINA: HDL5027 – Do Cinema ao Videoclipe: Um Debate Sobre a Estética da Imagem nas Perspectivas Benjaminiana, da Teoria Feminista e do Debate Decolonial

Docentes: Profa. Dra. Giselle Gubernikoff

                   Profa. Dra. Mônica do Amaral

                   Prof. Dr. Diego Reis

Início: 12 de março de 2020

Dia da semana: quintas-feiras

Horário: 19h30

Local: Casa de Cultura Japonesa (Av. Prof. Lineu Prestes, 159 – Cidade Universitária)

Nº de Créditos: 08

 

PROGRAMA

 

Objetivos

O predomínio da tecnoimagem anunciada por Vilém Flusser na era pós-histórica e o choc póstumo propiciado pela fotografia e o cinema (Benjamin, 1936) e hoje, pelos vídeoclipes, podem conduzir tanto a um estado de irreflexão, quanto à reposição objetivadora de uma experiência em declínio (Adorno, 1967). O cerne desta discussão envolve a possibilidade de se jogar com e contra o aparelho, por meio da técnica de produção da imagem cinematográfica, envolvendo a decupagem e a montagem, cenas do presente e do passado (imagens de arquivo), mudanças de foco, a ironia, o jogo lúdico, a identificação e a sedução. Promove-se, assim, uma espécie de dialética de aproximação e de distanciamento, capaz de conduzir seja à desumanização, seja à ressignificação a posteriori e ao engajamento estético. A ideia do curso é justamente percorrer produções cinematográficas significativas do cinema norte-americano, russo e brasileiro, e ainda do videoclipe, com ênfase na estética da montagem como estratégia de formação/implicação subjetiva do público. Uma atenção especial será dada à teoria feminista do cinema, às estéticas afro-feministas, aos arquivos coloniais para pensar a decolonialidade por meio das memórias ancoradas em corpos negros, além de refletir sobre a sub-representação da população negra na produção cinematográfica. E, por fim, analisar como estas questões são enfrentadas pela produção de videoclipes de rappers brasileiros e estrangeiros, bem como no videoativismo de cineastas negras.

 

Justificativa

O debate sobre a estética da imagem envolvida na produção cinematográfica encontra-se cada vez mais associado à linguagem digital no mundo contemporâneo, conferindo outra configuração às tecnoimagens enunciadas por Flusser, além de propiciar uma nova dimensão às estéticas afro-feministas e ao debate decolonial. Daí a importância de se propor um curso que aponte para a genealogia da imagem cinematográfica e suas intersecções com a teoria feminista do cinema e, na atualidade, com as estéticas feministas e o debate decolonial.

 

Ementa

Vilém Flusser (1985, 1987) anuncia a falência da escrita que se agudiza com o surgimento e predomínio da tecnoimagem na era pós-histórica, mas cujos processos de desumanização e de irreflexão decorrentes podem ser enfrentados por meio da estética do jogo e do improviso, que nos faz lembrar do jogo lúdico da lembrança e do esquecimento, tão caros a Walter Benjamin (1939) e a Freud (1914)  e mais contemporaneamente aos rappers. A ideia é explorar a genealogia da estética da montagem cinematográfica desde o seu surgimento com David W.Giffith e da vanguarda russa, do efeito Kuleichov e da montagem dialética, núcleo em que se forma o cineasta russo, Sergei Eisenstein (diretor de Encouraçado Potemkin, 1925 e Outubro, 1927), e que dá origem ao cinema como arte. Para em seguida, abordar a participação feminista no cinema e a linguagem digital dos clipes, em que as imagens de arquivo tornam-se fundamentais para fomentar o debate decolonial. O curso será ilustrado com projeções de filmes e videoclipes, como ponto de partida para uma análise da imagem cinematográfica, dos efeitos estéticos da técnica da montagem, baseado no debate da teoria crítica benjaminiana da fotografia e do cinema, da teoria feminista de cinema e da decolonialidade dos corpos negros.

 

Conteúdo

1. A genealogia da técnica da montagem e seus efeitos estéticos no cinema:

  • As influências das técnicas de montagem e decupagem de David W. Giffith  em Fritz Lang/Chaplin e Eisenstein
  • Efeito Kuleichov – Montagem dialética
  • Pravda – o cinema olho – O homem com a camera

 

2. Cinema, choc póstumo e experiência: um debate entre W. Benjamin e Theodor W. Adorno

  • A fotografia e a decadência da aura no advento da modernidade
  • Do realismo ao improviso no cinema (Encouraçado Potemkin, de Eisenstein)  e no clipe (Fight the power, de Public Enemy, 1990)
  • Imagens de arquivo e as técnicas de montagem: choc póstumo e reposição de experiência (Marighella, dos Racionais MC’s, 2017)
  • A música rap, a cultura afro e a produção de videoclipes – Can’t truss it, de Public Enemy, 1991.

3. Arquivos coloniais, silenciamentos, “restos” e identidades racializadas:

  • A (des)colonização dos discursos e dos imaginários na representação histórica
  • Decolonialidade de corpos e saberes: a ferida, o trauma colonial, os rastros
  • Poéticas do inventário na arte e imagens sensíveis no presente: entre o político e o poético
  • O testemunho, a inscrição e o (ir)representável (“O papel e o mar”, de Luiz Antônio Pilar, 2010)

4.  A teoria feminista de cinema:

  • Cinema de ficção, cinema de identificação. Psicanálise, semiótica e cinema.
  • O star system americano. Mulher e mercadoria.
  • Cinema de mulheres.

Projeção do filme Dogville (2003), de Lars von Trier

5. Feminismos negros e decoloniais: em direção a uma estética afro-feminista?

  • Feminismo afro-latino-americano
  • Feminismo decolonial
  • A memória e a ancestralidade (Um dia de Jerusa, 2014, de Viviane Ferreira)
  • Videoativismo negro (A boneca e o silêncio, 2015, de Carol Rodrigues)

6. A filosofia da caixa preta e as tecnoimagens- segundo Vilém Flusser

  • As tecnoimagens na era pós-histórica- da fotografia ao cinema

7. Perfomances afro-diaspóricas e as representações do negro na cultura

  • Para além dos estereótipos, arquétipos e caricaturas

 

Forma de Avaliação

O aluno deverá realizar as leituras previstas semanalmente, participar das discussões em sala de aula e apresentar um trabalho escrito que contemple a análise de um filme ou de um clipe, apoiando-se no debate teórico proposto pelo curso. Fará parte do trabalho assistir um filme/videoclipe sobre a vida urbana e as produções culturais de resistência das mulheres e corpos negros.

 

Bibliografia

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AMARAL,M. do, DIAS, C. e TEJERA, D. B. Olmedo. Do cinema de vanguarda ao videoclipe dos Racionais MC’s: uma discussão a partir de Vilém Flusser,Walter Benjamin e T. W. Adorno. Revista Tempos e Espaços em Educação, São Cristóvão, Sergipe, Brasil, v. 11, n. 24, p. 111-126, jan./mar. 2018.http://dx.doi.org/10.20952/revtee.v11i24.7643 | ISSN: 1983-6597 (versão impressa); 2358-1425 (versão online).

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XAVIER,G,FARIA,J.B E GOMES,F (orgs). Mulheres negras no Brasil escravista e do pós-emancipação. São Paulo: Selo Negro, 2012.

Curtas Metragens: O Papel e o mar (2010), de Luiz Antônio Pilar; O dia de Jerusa (2014), de Viviane Ferreira; e A boneca e o silêncio (2015), de Carol Rodrigues.

Clipes:

Mil faces de um homem leal – música do clipe Marighella (2012/13), dos Racionais MC’s.

Can’t Truss it, de Public Enemy. 1ª versão: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=icpMj1dgf8U;

Can’t Truss it, de Public Enemy. 2ª versão: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=am9BqZ6eA5c.

Fight the power, de Public Enemy. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=am9BqZ6eA5c.

 

Filmes:

O Encouraçado Potemkin (1925), de Sergei Eisenstein.

Outubro (1927), de Sergei Eisenstein.

Do the right thing (1989), de Spike Lee.

Dog Ville (2003 ), de  Lars Von Trier.

 

Documentários:

The hip-hop evolution: the South Bronx is burning (2016). Diretores: Darby Wheeler, Sam Dunn (co-diretor).

Filme-documentário: Ori, de Raquel Gerber (1989).