Docentes: Prof. Dr. Artur Matuck

                   Prof. Dr. Paulo Daniel Elias Farah

                   Profa. Dra. Zilda Márcia Grícoli Iokoi

Início: 18 de março de 2020

Dia da semana: quartas-feiras

Horário: 17h00

Locais: Prédio da Casa de Cultura Japonesa (Av. Prof. Lineu Prestes, 159 – Cidade Universitária)

 Bibli-ASPA (Rua Baronesa de Itu, 639 - Santa Cecília)

Nº de Créditos: 08

 

PROGRAMA

 

Objetivos

A disciplina “Linguagens da sobrevivência: migrações, interlínguas, narrativas e representações” propõe-se a promover reflexões críticas e filosóficas sobre a migração, o refúgio, o exílio, a linguagem, a tradução, as representações do si e do outro, o autorreconhecimento, hibridismos e modelos possíveis de escrita – avançando por conceitos que, muitas vezes, desafiam os fundamentos das áreas delimitadas pelas linhas de pesquisa convencionais. A disciplina propõe transbordamentos e reporta-se a diversos tipos e gêneros textuais e artísticos. A disciplina tem como objetivos: a) fortalecer a descolonização do pensamento por meio da análise de autores e obras que propõem epistemologias do sul; b) promover análises literárias e históricas; c) analisar a escrita no exílio e sua relação com a criação; d) investigar a criação literária interlinguística, suas histórias e teorias, principais autores e obras, e suas implicações culturais, sociais, históricas, políticas e identitárias; e) elaborar uma metodologia de pesquisa, leitura, escrita, ensino e aprendizagem da criação literária interlinguística, visando ao desenvolvimento de estruturas textuais e formas de conhecimento que integrem as histórias, as teorias, as línguas e as experiências vivenciais e escriturais de autores e indivíduos; f) analisar como obras de literatura e dramaturgia traduzem eventos próprios da contemporaneidade e a relação com a migração e o deslocamento forçado. Ao considerarmos que cada pessoa, em seu fluxo de consciência, constrói sua própria linguagem, o ato de contar a própria história e de transformá-la em narrativas e performances - que revelam seus sentimentos e desejos inconfessos - não deixa de ser uma auto-tradução (Flusser), como um gesto generoso de se expor e alcançar o outro. Os resultados esperados emergem na forma de textos, filmes, narrativas e-ou performances auto-representativas (auto-etnografia), entre outras formas. Além de análises históricas e literárias, a disciplina pretende pesquisar a miscigenação linguística na contemporaneidade, resultante dos processos de mobilidade, migração, nomadismo, guerra, globalização, colonização, exílio e vivência de conectividade digital. Serão investigados autores e obras que expressam uma inquietação quanto ao uso da língua nativa em suas obras, seja por vivenciarem uma situação de movimento transnacional, migração, de invasão territorial ou imposição linguística, seja por vivenciarem um drama psicossocial com efeitos em sua construção linguística. A reflexão incidirá especialmente sobre obras resultantes da experiência linguística de indivíduos que vivenciaram deslocamentos, cruzando fronteiras e habitando culturas e países distantes de suas terras natais, aprendendo línguas estrangeiras. Este fenômeno global de múltiplas causas foi intensificado nos séculos XIX, XX e XXI, com o contínuo desenvolvimento dos transportes, a intensificação das viagens em contextos de dominação e-ou os deslocamentos forçados e a ruptura das fronteiras geopolíticas através das interconexões digitais, provendo o surgimento de uma textualidade interlinguística, centrada no ciberespaço e nas redes sociais. A interlinguística é compreendida, nesta disciplina, como a qualidade característica de textos que mesclam duas ou mais línguas e, eventualmente, como a qualidade de textos monolíngues que, ainda assim, mantêm uma relação com outras línguas, revelada e transparente ou implícita e oculta, seja através da tradução, da interpretação, da construção sintática ou da adaptação lexical.

 

Justificativa

Numa conjuntura (inter)nacional de crescente xenofobia, racismo, discriminações e generalizações contra imigrantes e refugiados, são relevantes as proposições sobre como mudar esse quadro e acerca do papel e do posicionamento do Sul Global nessas relações. Com efeito, faz-se necessário debater mais – no Brasil e no mundo - sobre xenofobia, racismo e intolerâncias várias e sobre formas de enfrentá-los em contextos que não se restrinjam a ações imediatistas pós-assassinatos e outras atrocidades. Inserido no contexto internacional e complexo das migrações, o Brasil passou a receber, sobretudo a partir de 2010, de forma crescente e num cenário migratório que se estende até a atualidade, refugiados e imigrantes em elevado grau de vulnerabilidade. Nesse contexto, observa-se no país e no mundo, a crescente interconexão entre indivíduos, grupos, sociedades e nações.

 

Conteúdo

1. Apresentação do curso; descolonização do pensamento e epistemologias do Sul

2. Identidade e pós-colonialismo: interlíngua, lugar de fala e emancipação

3. Estratégias de sobrevivência artística no espaço urbano: criação, produção e distribuição

4. Literatura e dramaturgia no exílio: palavras e gestos na interculturalidade e relação com a criação

5. Representações, pertenças e referências de imigrantes e refugiados nas narrativas e nas artes

6. Oralidade, escritura, literaturas aljamiadas e língua e cultura de herança

7. Transumância e o artista nômade: literotopia e semiotopia

8. Escrita interlinguística (Flusser): auto-tradução e estratégias para a escrita pessoal e a auto-expressividade

9. Tradução intersemiótica

10. Narrativas, escrita, performance, registro, autoetnografia

11. Criando na língua do colonizador: literatura, performance e voz; micropolíticas de emancipação

12. Planejamento e roteirizarão para o artivismo e participação para a mudança; Demarcação do território: conquista do espaço pessoal por meios expressivos e performáticos

 

Forma de Avaliação

Os participantes deverão apresentar um trabalho original elaborado durante a disciplina, em forma de texto, criação literária ou uma proposta de realização de performance artística ou obra audiovisual que apresente características auto-etnográficas e com uma estratégia de distribuição e exibição alternativa.

 

Bibliografia

ABBAS, I. Achchi‘r al‘arabiy الشعر العربي (Poesia árabe). Kuait: Almajlis alwataniy liththaqafa walfunun wal’adab, 1978.

ABDALA JUNIOR, B. De vôos e ilhas: literatura e comunitarismos. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.

_______________. Fronteiras múltiplas, identidades culturais: um ensaio sobre mestiçagem e hibridismo cultural. São Paulo: Editora SENAC, 2002.

ANDERSON, B. Comunidades imaginadas (Reflexiones sobre el origen y la difusión del nacionalismo). Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1993.

APPADURAI, A. Dimensões Culturais da Globalização. Lisboa: Editorial Teorema, 2004.

____________. O Medo ao Pequeno Número: ensaio sobre a geografia da raiva. São Paulo: Iluminuras, Itaú Cultural, 2009.

ARENDT, H. A condição humana, 10a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.

ASWANY, A. O Edifício Yacubian. Tradução do árabe e glossário de Paulo Daniel Farah. São Paulo: Companhia das Letras, 2009

BACHELARD, G. A Terra e os devaneios da vontade: ensaio sobre a imaginação das forças. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

BADlE, B. La fin des territoires. Paris: Fayard, 1995.

BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética (A teoria do Romance). São Paulo: Hucitec, 1988.

BATTUTA, Ibn. Rihla: Obra-prima das Contemplações sobre as Curiosidades das Civilizações e as Maravilhas das Peregrinações. Tradução e notas:  Paulo Daniel Farah. São Paulo: Edições BibliASPA, 2009.

BENARAB, A. Les voix de l'exil. Paris: L’Harmattan, 1994.

BHABHA, H. K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.

BOSI, A. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

BOURDIER, P. Images d’Algérie: une affinité élective. Paris: Actes Sud/Camera Austria/Fondation Liber, 2003.

CANCLINI, N. Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 1997.

CASTELLANI, CHIAPPARO & LEUWERS, Eds. Littérature et Nation: La langue de l'autre ou la double identité de l'écriture. Tours: Université de Tours, 2001.

CRARY, J. Techniques of the Observer: On Vision and Modernity in the Nineteenth Century. Cambridge: MIT Press, 1990.

DARWICH, M. A terra nos é estreita e outros poemas. Tradução do original árabe, notas e prefácio de Paulo Daniel Farah. São Paulo: Edições BibliASPA, 2003.

DE ANDRADE, Oswald (1991). Oswald de Andrade’s “Cannibalist Manifesto”, translated by Leslie Bary, Latin American Literary Review, Vol. 19, No. 38 (Jul. - Dec., 1991), pp. 38-47.

DERRIDA, Jacques. (1998) Monolingualism of the other: or, the Prosthesis of Origin. Califórnia: Stanford University Press.

EVANGELISTA, Elin-Maria (2013). Writing in Translation: A New Self in a Second Language. In: CORDINGLEY (2013) Self-translation.

FANON, F. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.

_________. Pele Negra, Máscaras Brancas. Salvador: Edufba, 2008.

FARAH, Paulo Daniel. O Islã. São Paulo: Publifolha, 2001.

________________. Deleite do estrangeiro em tudo o que é espantoso e maravilhoso: estudo de um relato de viagem bagdali. Rio de Janeiro, Argel, Caracas: Edições BibliASPA, Fundação Biblioteca Nacional, Bibliothèque Nationale d’Algérie e Biblioteca Nacional de Caracas. 2007.

________________. “Combates à xenofobia, ao racismo e a intolerâncias em encontros entre refugiados e brasileiros e em programas educativos de idiomas e culturas”. São Paulo: REVISTA USP, v. 114, 2017.

GOENAWAN, M. Conversations with difference. Jakarta: Tempo, 2002.

KI-ZERBO, Joseph (org.). História Geral da África. Vol. I. Brasília: Unesco, 2010.

KING, R. et al. Writing Across Worlds: Literature and Migration. Londres: Routledge, 1994.

KNAUF, E. A. Ishmael: Untersuchungen zur Geschichte Palästins und Nor­darabiens im des 1sten Jahrtausends vChr. Wiesbaden: O. Harrassowitz, 1989.

MAALOUF, Amin. Les identités meurtrières. Paris: LGF, 2001

MAHFUZ, N. O Beco do Pilão. Tradução do original árabe, notas e posfácio de Paulo Daniel Farah. São Paulo: Editora Planeta, 2003.

MEERZON, Yanna& DAVIS, Natasha (2015).  Staging an Exilic Autobiography: On the pleasures and frustrations of repetitions and returns. Performance Research: On Repetition, Vol. 5, n. 5, pp. 63-69.

MORCILLO, Françoise et PÉLAGE, Catherine. (2014) Littératuresen Mutation, Écriredansuneautre langue, Paradigme Publications Universitaires, Orleans, France.

NAÏR, S. LUCAS. J. Le déplacement du monde: immigration êt thématiques identitaire. Paris: Kimé, 1996.

NEUMAIER, D. « Judy Baca : our people are the internal exiles” In Cultures in Contention, 62-75. Seattle: Real Comet Pres, 1985

PLAZA, J. Tradução intersemiótica. São Paulo: Perspectiva, 2003.

RUSHDIE, S. Imaginary homelands. Londres: Granta Books, 1992.

SAID, E. Orientalismo (O Oriente como invenção do Ocidente). São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

_________. Reflexões sobre o exílio e outros ensaios. São Paulo: Companhia das letras, 2003.

SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. (Orgs.) Epistemologias do Sul. São. Paulo; Editora Cortez. 2010

SANTOS, Boaventura de Sousa. O fim do império cognitivo: a afirmação das epistemologias do Sul. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019.

SARTRE, J. P. Colonialismo e neo-colonialismo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1968.

SEIDEL, M. Exile and the Narrative Imagination. New Haven & Londres: Yale University Press, 1986.

STEINER, G. Language & Silence: essays on language, literature and the inhuman. New Haven and London: Yale University Press, 1998.

SUBIRATS,  E. Memoria y exilio. Buenos Aires: Lozada Editoria, 2003.

TODOROV, T. Nós e os outros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.

TODOROV, Tzvetan (1984). The Conquest of America: The question of the Other. Trasnlated from the French by Richard Howard. NY: Harper & Row, 1984. (Editions du Seuil, 1982).

WEIL, S. L'enracinement : prélude à une déclaration des devoirs envers l'être humain. Paris: Gallimard, 1949.

WODICZKO, Krzysztof (1999). Designing for the City of Strangers (1997), in: WODICZKO (1999) Critical vehicles: writings, projects, interviews, Massachusetts Institute of Technology.

ZAKKA, N (ed.). Littératures et cultures d'exil. Lille : Presses Universitaires de Lille, 1993.

ZAYYAD, T. Achuddu 'alà ayadikum (Aperto suas mãos). [s.l.]: Matbaát Alittihád, 1966.