image002_400Memorial do Imigrante
Mercado Municipal de São Paulo
Vila dos Ingleses
*****
Introdução
*****
Este relatório tem por objetivo compreender a problemática do Centro Velho de São Paulo (região da Luz, Brás e arredores da Rua 25 de Março). Partiremos dos casos particulares do Memorial do Imigrante, do Mercado Municipal e da Vila dos Ingleses, destacando aspectos de sua história e a preservação da memória, para então, analisarmos de forma conjunta questões da musealização do patrimônio e potencial turístico da região, tendo em mente as construções teóricas de Nestor Garía Canclini “O porvir do passado”, na obra Culturas Híbridas na América Latina.
*****

image004_400

*****
Memorial do Imigrante
*****
image006_400A princípio, o que mais chama a atenção no Memorial do Imigrante é o seu nome: local onde pretende-se relembrar a memória da imigração no Brasil, mais especificamente de São Paulo. Entendendo-se por imigrantes aqueles que vieram do exterior a partir da metade do século XIX, em busca de trabalho, sobretudo para as plantações de café, o nome faz jus à importância da hospedaria durante todo o fluxo imigratório desses trabalhadores. O local foi construído para abrigar essas massas cada vez mais numerosas e como uma tentativa de controlar os que aqui chegavam patrocinados pelo governo. O aspecto de prisão justifica-se pela intenção de evitar o contato dos imigrantes com a cidade e de serem tratados unicamente como mão-de-obra de lavoura. A hospedaria possuía desde hospital até correio e os trabalhadores permaneciam cerca de uma semana, tempo suficiente para serem recebidos, selecionados (etapas em que eram identificados e produziam-se os documentos estudados hoje) e encaminhados para as fazendas do interior. Segundo o folheto promocional do Memorial “De 1882 a 1978, passaram pela Hospedaria cerca de 2,5 milhões de pessoas, de mais de 60 nacionalidades e etnias, todas devidamente registradas em livros e listagens”.
*****
image008_400O que era hospedaria passa a ser hoje Museu, com acervo e comunicação, mas que não se denomina como tal e ganha o cunho de memorial, não de lugar histórico. A parte omitida da história é que a partir da década de 30 o fluxo migratório, majoritariamente de nordestinos, passou a superar o imigratório. Esse fato, apesar de salientado pelo guia do Memorial do Imigrante, não se encontra devidamente registrado em documentos da época. Em apenas alguns quadros, havia fotos desses migrantes, enquanto o resto do museu dedica-se exclusivamente a história de chegada dos imigrantes. Logicamente, a falta de registros é uma falha da própria época, mas ainda assim, o Memorial, como o próprio nome reitera, preferiu concentrar-se nos fluxos imigratórios. Não é à toa que vemos bonecos vestidos com as roupas típicas desses países. O museu teve como seu recorte o trabalho com a memória imigrante.
*****
image010_400De acordo com o texto de Canclini “Esse conjunto de bens e práticas tradicionais que nos identificam como nação ou como povo é apreciado como um dom, algo que recebemos do passado com tal prestígio simbólico que não cabe discuti-lo. (...) O patrimônio é o lugar onde melhor sobrevive hoje a ideologia dos setores oligárquicos, quer dizer, o tradicionalismo substancialista”. Nesse sentido, só o que nos interessa no Memorial e, conseqüentemente, na História, é um passado de início branco da nação brasileira e a construção do mito da incorporação dos nordestinos, cuja contribuição é desqualificada na formação de São Paulo.
*****
Mercado Municipal
*****
image012_400Prédio do fim do século XIX, que abriga o mercado hortifrutigranjeiro da região central de São Paulo. Identificamos algumas maneiras diferentes de freqüentar o mercado: de madrugada, os atacadistas fornecem seus produtos, de dia é a população que faz suas compras nas diferentes barracas especializadas, mas o movimento diferencial deste mercado está no fato de ser um prédio histórico recém restaurado, que recebe muitos turistas de várias partes do país e do exterior, principalmente nos fins de semana. A visita se deu em um sábado e o mercado estava lotado de consumidores e de turistas, que procuravam os atrativos da arquitetura do local e da gastronomia, principalmente dos famosos sanduíches de mortadela e pastel de bacalhau.
*****
image014_400Por muitos anos, o Mercado Municipal ficou “abandonado” e as vendas decaíram. A região onde está localizado passou por um processo de degradação e desvalorização imobiliária, sendo chamada de Centro Velho, pois as elites abandonaram o local no início do século XX e foram para a região da Avenida Paulista e arredores.
*****
Hoje, com o Mercado restaurado, as elites voltam ao centro nos fins de semana, mas não percebem (ou não querem) a miséria em que se encontram os moradores da região, em seus cortiços, prédios invadidos e mesmo nas ruas no entorno do Mercadão (como é conhecido popularmente).
*****            
Vila dos Ingleses
***** 
image016_400Localizada na região da Luz (Centro Velho), a Vila dos Ingleses tem sua história ligada à estação ferroviária da Luz. Construída como moradia dos engenheiros ingleses, que vieram ao Brasil para a construção e implantação da rede ferroviária São Paulo Railway (a princípio Santos-Jundiaí), em meados do século XIX.
*****
Hoje, a Vila dos Ingleses está preservada nas fachadas de sua arquitetura e abriga instalações comerciais no interior das edificações. Houve mudanças no interior das residências, para abrigar tal destinação, mas o patrimônio histórico proíbe mudanças nas configurações da Vila.
image018_400*****
Construída com mão-de-obra, materiais e no estilo inglês, assim como todas as estações da linha ferroviária, fato melhor observado na Estação da Luz, que seria a estação-sede da capital de São Paulo. A Vila dos Ingleses está hoje preservada, mas não conhecida da população da cidade. Localizada na Rua Mauá, paralela à linha do trem, não é tão facilmente percebida por quem transita na região, além do mais, a região da Luz recebe um intenso comércio e as pessoas não param para ver os prédios históricos que os cercam, como a Pinacoteca do Estado, a Estação Júlio Prestes, o Museu de Arte Sacra e a própria Estação da Luz. O patrimônio já se tornou parte do cotidiano e é tratado sem diferenciação do conjunto arquitetônico da cidade.
*****
image020_400
*****
O centro histórico de São Paulo: questões do patrimônio e do potencial turístico
*****
Tendo como base o Memorial do Imigrante, o Mercado Municipal e a Vila dos Ingleses, para se pensar as questões das edificações históricas do centro de São Paulo, percebemos diversas soluções para a preservação do patrimônio. Os três casos analisados tiveram uma destinação diferente da proposta original de sua construção: o que era uma hospedaria dos imigrantes e migrantes, hoje se propõe como um museu que trata dessa temática; o Mercado Municipal continua com sua função, mas a população tem outra relação com o espaço; por fim, a Vila dos Ingleses tornou-se abrigo para estabelecimentos comerciais e não mais residências. Os casos aqui abordados tiveram como solução a restauração, mas nem sempre é isso que ocorre com as edificações históricas do Centro. Vemos muitos prédios em ruínas ou com a arquitetura adaptada (mistura do original com diversas adaptações realizadas ao longo dos anos), ou simplesmente a derrubada dos prédios históricos, para a construção de edifícios mais “modernos” e funcionais, que atendem uma lógica imobiliária e especulativa.
***** 
image022_400Esse pensarmos sob esse prisma, nos perguntamos qual a função da preservação dos edifícios históricos para a memória da sociedade paulistana. Para quem se destina e o porquê de tal empreitada. Temos que ter em mente que o patrimônio histórico é sempre uma construção do presente, acerca de uma memória que ele mesmo constrói para si. É a procura de uma identidade, principalmente de uma nacionalidade, que faz a construção do patrimônio histórico. A discussão do presente só é possível através de um contraponto do passado, essa relação nunca é neutra.
*****
No caso do Memorial do Imigrante, o patrimônio se dá na forma de Museu Histórico, com acervo e suas implicações: comunicação e reserva técnica. A história a ser contada por esse museu é devidamente selecionada ante a outras possibilidades. Enquanto hospedaria abrigava primeiro os imigrantes e depois os migrantes, em sua maioria, principalmente os nordestinos – há documentação de todo o período, mas para exposição museográfica, optou-se por valorizar a história dos imigrantes do ciclo do café, só há referência à migração nordestina nas escadarias do museu, em painéis fotográficos. O museu também tem uma forte área de pesquisa, que está disposta ao público em terminais de consulta sobre a possível chegada de ascendentes. A memória coletiva aqui valorizada é a de uma constituição imigrante da cidade de São Paulo, principalmente de italianos, a memória nordestina é deixada de lado, até mesmo pelas pesquisas.
*****
O Mercadão e a Vila dos Ingleses não tiveram como destino o Museu, o primeiro tem ainda sua função original e a segunda foi readaptada. O que nos chama a atenção nesses casos é a relação entre o patrimônio histórico e seu entorno. O patrimônio é preservado, mas não tem nenhuma relação com a comunidade que o cerca, ele está aí para atender um público que não é do local, um público sazonal ou mesmo de turistas. Daí, mais uma vez, temos que questionar o patrimônio e sua construção: de quem e para quem. A região central está abandonada pelos que estão no poder, a população desta região vive em condições precárias e com poucas perspectivas de melhora, o centro é uma área destinada ao comércio popular, mas há também muitas residências e partes dominadas pelo tráfico (as denominadas cracolândia e boca do lixo). O projeto de revitalização do centro inclui a restauração de prédios históricos, mas não visa o diálogo com a comunidade, que não freqüenta ou não utiliza tal patrimônio, por não se sentir incluída. . A história contada não é a deles, mas a de um outro grupo, que visita o centro nos fins de semana e depois voltam para sua região de origem. Não se conta a história dos vencidos, não vemos os nordestinos, os trabalhadores do mercado e os operários ingleses nos locais visitados. O patrimônio preservado não faz parte da vida da comunidade, só faz parte do seu local de passagem.