O que nos tornamos? Por Ângelo Cavalcante (UEG)

O que estamos nos tornando?

Por Ângelo Cavalcante
 

"E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina 111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos".

(Haiti, Gil & Caetano)

 

Na semana passada, um juiz branco de pomposo sobrenome italiano inocentou a "mui justa, democrática e respeitável" PM de São Paulo pelo massacre de 111 presos em antigo moedor de gente chamado Carandiru e que, para o bem do gênero humano, não existe mais.

Na semana posterior, a ditadura de novo tipo e "democraticamente" conduzida por PMDB/PSDB/DEM escancara o Brasil, seus ativos ambientais, as riquezas e todo o trabalho social do povo para humores e intenções das petroleiras europeias e norte-americanas. A partir de criminosa estratagema Michel Temer, o plantonista do poder central, fez aprovar na noite de 05 de outubro de 2016, o mais deletério e perverso contrato de prospecção e manipulação dos hidrocarbonetos do Pré-Sal e que já lança a economia brasileira e o pensamento científico nacional em espécie de danosa hibernação trágica e perversa.

É que, todos sabem, que para a exploração dessas reservas situadas a mais de seis mil metros de profundidade, onde a pressão das águas de sal inviabiliza toda sorte de vida conhecida e onde as leis da física são re-avaliadas, por obrigação e viabilidade técnica, novas tecnologias devem ser desenvolvidas, testadas e implementadas.

Os trabalhos de prospecção do Pré-Sal seriam o mais amplo consórcio técnico-científico e que esse país já viu. Iria envolver todo (eu disse, TODO!) o ensino superior nacional. De engenheiros a físicos, passando por geólogos, oceanógrafos, biólogos marinhos, economistas, contadores, sociólogos; mas também zootecnistas, engenheiros ambientais e de pesca, médicos, farmacêuticos, enfermeiros dentre outros.

A demanda por essa monta de profissionais iria mobilizar e ativar o país; aperfeiçoar centros de ensino e pesquisa; criar e desenvolver outros; estimular pesquisas e investigações; promover experimentos e testes dos mais diversos e iria, por fim, lançar o Brasil para a ponta do pensamento científico mundial.

Não é só "o que fazer", mas é, sobretudo, o "como fazer". Isso nos interessa profundamente. Como militante ardoroso em favor de uma ciência de ponta no país; arrojada, moderna e promissora, a concessão do direito de exploração das reservas do Pré-Sal para outras empresas é anestesiar diretamente a investigação científica brasileira. É torna-la menor, trivial e espécie de arremedo caricatural das produções científicas alheias.

O que Temer e seu bando acabaram de fazer foi exatamente, terceirizar o cérebro científico brasileiro; a "sabedoria golpista" optou pelos pacotes prontos das gigantes do petróleo e de lambuja, capou o pulso, a pegada técnica-científica brasileira.

Estou seguro de que esse debate será pouco compreendido, mas é fundamental que, ainda assim, ele seja realizado. A Petrobras, maior empresa do país, conduzindo os trabalhos e pesquisas da maior reserva de petróleo do mundo não é apenas um ufanismo, um orgulho nacional; é o necessário encadeamento da potência nacional com seu próprio futuro. É uma inteligência de soberania, por soberania e por um amanhã feito pelas mãos dos próprios brasileiros.

A partir do entreguismo clássico, estúpido e previsível de Temer, casado com a repugnante condução de José Serra nas relações internacionais o Brasil não abre mão apenas do Pré-Sal, abre mão de si, do seu povo, do seu futuro e de qualquer soberania de efetivo sentido.

E para que o depravamento tacanho e emburrecedor da direita e que irá ler esse texto não me taxe de ser um "nacionalista anacrônico" é preciso afirmar que defendo a participação de parcerias com empresas internacionais desde que a atuação destas mesmas internacionais operem papéis secundários e não essenciais como o modelo imposto por Temer/Serra ao povo do Brasil.

A Petrobras tornou-se, como que por passe de mágicas, uma terceirizada no negócio de cem anos do Pré-Sal. Uma prestadora de serviços, uma "colaboradora". É assustadoramente impressionante!

Se estima que as reservas do Pré-Sal contenham setenta bilhões de barris; alguns mais otimistas, segundo o jornalista Bob Fernandes, apostam suas fichas em oitenta bilhões. Desse "oceano de petróleo" resulta um algo como oito trilhões de dólares ou vinte trilhões de reais. Isso representa de cinco a seis vezes o PIB brasileiro. É ordem do imperialismo internacional a apropriação dessas riquezas e de suas possibilidades. Sem saber, o Brasil mitiga a crise internacional e que já quase completa dez anos.

Finalmente, a absolvição de policiais militares assassinos e que dizimaram cento e onze detentos e a covarde e criminosa entrega dos ativos naturais do país para a ganância internacional acontecem simultaneamente, o que não é uma casualidade. São vergonhas que nos perseguiram até ao fim dos tempos.

Volto ao questionamento que é título deste ensaio: o que estamos nos tornando?

Ângelo Cavalcante - economista, professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), campus Itumbiara.