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Linguística e Intolerância

O grupo de pesquisa Linguística e Intolerância foi organizado e será mantido pelos pesquisadores do Diversitas - Núcleo de Estudos das Diversidades, das Intolerâncias e dos Conflitos, que desenvolvem pesquisas sobre a intolerância e os preconceitos lingüísticos e as formas de resistência. São eles Diana Luz Pessoa de Barros (coordenadora), Evani de Carvalho Viotti, Leland Emerson McCleary, Margarida Taddoni Petter, Marli Quadros Leite, Ronald Beline.

O uso da linguagem tem sido sempre fortemente marcado por intolerância e preconceitos, com o agravante de que a intolerância lingüística é muito mais camuflada do que outras formas de preconceito. Assim, revistas que nunca aceitariam publicar, por exemplo, artigos racistas, acatam, sem problemas, textos intolerantes em relação a certos usos lingüísticos ou a certas línguas.

A intolerância lingüística está fortemente relacionada com outras formas de intolerância (a racial, a religiosa, a sexual, a política, por exemplo), mas é examinada, porém, também nas particularidades e especificidades próprias da linguagem. Veja-se, entre outros, o caso das relações entre o discurso racista, o separatista e o de intolerância lingüística no livro de Irton Marx Vai nascer um novo país: República do Pampa Gaúcho (sobretudo, no capítulo 10 O país dos gaúchos – Manifesto do povo gaúcho). O discurso separatista, fortemente moralizante, é também um discurso racista (gaúcho vs sertanejo) e de intolerância lingüística.

As relações entre os usos lingüísticos ou entre as várias línguas são determinadas por seu caráter público e privado de duas formas diferentes:

- o domínio do público, regulamentado pela lei, pela regra, tanto pode impor certos usos e línguas, quanto estabelecer a variedade possível desses usos e línguas;

- o domínio do privado, como domínio das variações e preferências individuais, tanto pode contrapor-se aos usos e línguas impostos no domínio do público, quanto pode manifestar suas preferências em relação às variedades publicamente aceitas.

A intolerância e a conseqüente necessidade de tolerância surgem assim: 1 – quando a lei regulamenta certos usos e línguas e proíbe os demais, como por exemplo aconteceu quando Pombal proibiu o uso das línguas gerais no Brasil, o governo brasileiro discriminou o emprego de línguas estrangeiras, na época da Segunda Guerra, Irton Marx, em A República dos Pampas, proibiu os usos errados, ou as leis Aldo Rebelo (no Brasil) ou Toubon (na França) não aceitaram os usos de termos estrangeiros; 2 – ou, ao contrário, quando as preferências individuais do privado discriminam usos e línguas, e impedem que seus usuários tenham acesso a certos empregos, cargos ou posições, como por exemplo, quando os meios de comunicação não dão emprego aos usuários do r caipira ou aos que têm uma entoação que marca uma determinada identidade sexual.

A intolerância lingüística ocorre nas fronteiras, nos limites da lei pública e dos direitos e preferências individuais, no domínio do privado.

A regulamentação lingüística, no domínio do público, explica-se pelo papel que as línguas assumem na construção de impérios, nações, estados, e na constituição de identidades nacional, regional, etc. Nos livros didáticos de História do Brasil, por exemplo, não há uma única referência ao fato de que no período colonial falavam-se principalmente línguas gerais no país e não o português.

Ao regulamentar as relações entre os usos lingüísticos de uma mesma língua, a lei determina um uso como mais correto, mais certo, mais bonito, mais patriótico, mais virtuoso, enfim, e hierarquiza os demais, que serão ditos possíveis, toleráveis ou proibidos. Esse uso mais virtuoso é o da norma explícita de uma dada língua, em geral chamada norma culta. A norma explícita define-se por

ser regulamentada por academias, gramáticas e dicionários;

ter um aparelho de referência constituído por usuários de autoridade e prestígio;

ser difundida e imposta na escola, na imprensa e na administração pública.

É essa norma que Irton Marx considera a única possível para a República dos Pampas, não reconhecendo assim os direitos linguisticos da sociedade, ou é a que determina, no país, a seleção de candidatos a emprego, tendo em vista a preferência da sociedade pelo uso dito mais culto da língua.

Os usos e línguas impostos ou preferidos mantêm relações diversas com os proibidos ou não-preferidos.

São elas de 4 tipos (Landowski, 1997): de assimilação, ou seja, em que se procura transformar os usos linguísticos ou a língua do outro, assimilando-os aos nossos, já que nosso modo de falar é melhor do que o do outro; de exclusão, em que os usos linguísticos e a língua do outro são recusados, não admitidos, pois são piores do que os nossos e ameaçam os nossos usos e língua; de agregação, em que os usos lingüísticos ou a língua do outro coexistem com os nossos, mantendo-se diferentes deles; de segregação, em que os usos lingüísticos e a língua do outro devem ser conservados, desde que separados dos nossos, para não contaminá-los.

Os diferentes tipos de relação ocorrem tanto nas relações lingüísticas internas a uma dada sociedade, entre variantes de uma língua, e tendo por referência a variante culta ou padrão, quanto entre línguas diferentes, tendo por referência a língua nacional. Assim, por exemplo, no Brasil, as variantes utilizadas por falantes incultos, de classe sócio-econômica pouco favorecida ou da zona rural são excluídas da escola, da administração, dos meios de comunicação; variantes regionais desprestigiadas, como a caipira ou a nordestina, são segregadas, isto é, admitidas no espaço delas, mas não devem ser misturadas com os usos prestigiados, por exemplo, do rádio ou da televisão; ou, mais freqüentemente, as variantes de menos prestígio são assimiladas às de mais prestígio (ensina-se, por exemplo, na escola, o uso mais culto da língua ou o de regiões em que se fala melhor).

No que diz respeito às línguas estrangeiras, da mesma forma que entre variantes de uma língua, as relações são sempre assimétricas (entre usos e línguas de mais ou de menos prestígio) e dependem da posição econômica, cultural ou política que estabelecem relações de dominação entre os grupos e suas línguas. Dessa forma, a língua nacional pode encontrar-se na posição dominante (mais prestígio, mais força) ou de dominado (menos prestígio, menos força) em relação a outras línguas. Vejamos alguns exemplos em que a língua nacional ocupa a posição de dominante. Na Espanha, durante a ditadura de Franco, o basco, o galego e o catalão foram excluídos em favor da manutenção do espanhol (castelhano); no Brasil, houve também exclusão quando Pombal proibiu o uso de línguas indígenas ou das línguas gerais no país, ou, na segunda grande guerra, quando se proibiu o ensino do alemão ou do japonês, na escola; em relação aos imigrantes, o discurso no Brasil foi, em certos momentos, de exclusão e, mais freqüentemente, de assimilação; quanto às línguas indígenas, em certo momento foram excluídas e hoje são segregadas (aceita-se que os índios falem outras línguas, mas nas reservas).

As relações lingüísticas geram, muitas vezes, conflitos, pois o outro, o dominado, cujos usos linguísticos se quer excluir, assimilar, agregar ou segregar, pode não querer que isso aconteça. Na Espanha, houve e há ainda conflitos lingüísticos, embora se tenha passado de uma política de exclusão, sempre mais conflituosa, a uma de agregação (ou de segregação?). Com os imigrantes no Brasil, em muitos casos não houve conflitos, pois imigrantes que se procurava assimilar desejavam ser assimilados, isto é, não queriam, por exemplo, que os filhos falassem a língua estrangeira dos pais, mas usassem o português.

Quando não há conformidade entre os discursos do dominante e do dominado, os conflitos se manifestam de diferentes formas: lutas, preconceitos, intolerância, de um lado, formas de resistência, de outro. Margarida Maria Taddoni Petter tem mostrado, em diferentes estudos, que nas comunidades de candomblé e tambor-de-mina, por exemplo, é possível encontrar línguas negro-africanas, em situação ritual, como um dos elementos estruturadores. Essas comunidades são ilhas da África no Brasil e se constituem em formas de resistência cultural e lingüística.

Com esse projeto estão sendo assim examinadas a intolerância e o preconceito lingüístico no Brasil, a construção de discursos intolerantes de diferentes tipos, as formas de resistência desencadeadas, tanto em relação às variantes de uma mesma língua, quanto em relação a outras línguas, e as soluções não intolerantes, como o multilingüismo, a aceitação das diferenças linguísticas e o diálogo entre elas.

O projeto tem, dessa forma, quatro objetivos principais:

a) examinar a intolerância e o preconceito linguístico no Brasil e suas relações com a história, a sociedade e o ensino;

b) examinar as formas de resistência a essas discriminações;

c) criar um arquivo de documentos sobre a intolerância e o preconceito lingüístico no Brasil, com documentos oficiais, material de imprensa, obras de referência para o estudo da língua (gramáticas, dicionários, vocabulários, etc), livros didáticos, entre outros;

d) divulgar a documentação e as análises realizadas.

Dois tipos de intolerância e preconceito lingüísticos estão sendo examinados:

- em relação a outras línguas, as estrangeiras;

- em relação às variantes e modalidades de uma mesma língua.

O projeto geral é constituído por vários projetos específicos que serão ou que já estão sendo desenvolvidos.

Os diferentes projetos que compõem este projeto geral sobre a intolerância e os preconceitos linguístico fundamentam-se em teorias linguísticas diversas, com três vertentes principais: linguística descritiva, sociolingüística e estudos do texto e do discurso.

Quatro projetos mais gerais serão ou já estão sendo desenvolvidos sobre a intolerância e o preconceito linguístico em relação a outras línguas, as estrangeiras:

a) a intolerância lingüística contra o índio, tanto no período da colonização, quanto atualmente, devendo estar aí incluídas, entre outras, a questão das línguas gerais, a da imagem do índio e de sua língua na imprensa, a do ensino nas comunidades indígenas, a do tratamento dado ao índio e sua línguas nos livros de história do Brasil, ou a das formas de resistência;

b) a intolerância linguística contra o negro, tanto no período da colonização, quanto atualmente, devendo estar aí incluídas, entre outras, a questão da reação à discriminação, a da imagem lingüística do negro na imprensa, na literatura, nas gramáticas;

c) a questão das línguas dos imigrantes no Brasil;

d) o problema do uso dos termos estrangeiros no português, sobretudo a partir do século XIX e em relação ao francês e ao inglês; os discursos de aceitação ou de rejeição desses usos, e seus valores na comunicação; a questão da legislação para regulamentar tais usos.

Três projetos mais gerais serão ou já estão sendo desenvolvidos sobre a intolerância e o preconceito lingüístico em relação aos usos variantes ou às modalidades de uma mesma língua:

a) avariação e ensino na escola e na mídia em geral; o ensino do bom uso e sua contribuição para a intolerância lingüística;

b) variação linguística: intolerância e resistência;

c) intolerância em relação ao analfabeto.

Além disso, está sendo desenvolvido um projeto sobre a construção da identidade intolerante nos discursos, sobre o ethos intolerante dos enunciadores (racista, purista, fascista, etc).

O grupo de pesquisa Linguistica e Intolerância conterá assim:

- resultados das pesquisas realizadas no quadro do projeto sobre a intolerância e os preconceitos lingüísticos, sob a forma de artigos, dissertações, teses, etc;

- informação bibliográfica sobre estudos a respeito da intolerância e do preconceito lingüístico;

- discursos, de diferentes tipos (leis, decretos, textos literários, propagandas charges, textos humorísticos, etc.), que se mostrem intolerantes ou preconceituosos em relação aos usos da linguagem;

- caminhos, soluções, formas de resistência em relação à intolerância linguistica.